60 anos de Israel
Correio Braziliense


             Com a colaboração do então presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas, o brasileiro Oswaldo Aranha, o Estado de Israel foi criado pela comunidade internacional e comemora agora 60 anos de existência. Para alguns, a (re)criação de um Estado judeu naquela região, quase dois milênios após a destruição dos últimos resquícios de um poder político judaico, pareceu um milagre. Para outros, um acontecimento que contraria a lógica histórica. E, para poucos, principalmente aqueles que esqueceram que o bloco soviético mostrou mais entusiasmo por Israel do que os EUA ou a Inglaterra, o país representava um fato colonial.
         Como 60 anos é muito tempo, principalmente numa época em que até acontecimentos são objeto de consumo rápido, vale a pena lembrar os 3 fatores que efetivamente devem ser colocados nos fundamentos do novo Estado: 1) o sonho milenar do “retorno” a Sion, que era mais uma nostalgia do que uma atitude, recitada pelos judeus no final de várias rezas; 2) as condições materiais de existência dos judeus na Polônia e no Império Czarista, que deixaram grande parte da população judaica em situação de miséria, propiciando o surgimento de idéias messiânicas e políticas de autodeterminação nacional; 3) o Holocausto, massacre de metade da população judaica mundial por parte dos nazistas e a destruição da cultura judaica de língua iídiche, que reascendeu a coesão do povo judeu em torno de uma idéia nacional.
         A idéia sionista e o Holocausto são fatores que merecem ser um pouco mais esclarecidos. No início do século XX, um jovem pensador judeu russo escreveu uma obra baseada no pensamento marxista em que mostrava a importância de os judeus se espalharem por todos os setores da pirâmide social. Borochov (este era o nome dele) pode ser considerado uma espécie de pai espiritual do kibutz, a colônia agrícola coletiva para onde uma importante parcela de jovens judeus socialistas europeus se mudou. De fato, nos primeiros anos do século, a composição social do que poderíamos chamar genericamente de Palestina era muito curiosa: de um lado, o proprietário de terra árabe que explorava o camponês e sua família numa relação que poderia perfeitamente ser chamada de feudal. De outro, colônias agrícolas judaicas onde ninguém era proprietário dos bens de produção (terra, máquinas, ferramentas) e até mesmo de bens de uso como roupas. Era o comunismo levado a sua última conseqüência, já que cada um dava de si o que podia e recebia o que precisava, dentro dos limites das possibilidades da coletividade. Assim, antes de haver propriamente um choque entre árabes e judeus, houve um choque de caráter social.
         Mais tarde ocorreria o Holocausto. Nunca será possível superestimar a importância que o massacre nazista teve sobre os judeus. Devemos lembrar que os judeus estavam na Polônia e adjacências havia 7 séculos (mais que o tempo decorrido da existência do Brasil pós-descobrimento) e que, por ocasião das perseguições nazistas, receberam muito pouca solidariedade de poloneses não-judeus, salvo raras e honrosas exceções. Pelo contrário, sabe-se hoje que poloneses, ucranianos e até lituanos colaboraram grandemente na caça aos judeus, sendo que, em algumas situações, foram bastante ativos nessas tarefas degradantes. O judaísmo polonês desenvolveu uma cultura própria, sustentada em uma língua estruturada no alemão medieval, acrescida de palavras eslavas e hebraicas (língua, por sinal, utilizada por Isaac Bashevis Singer, prêmio Nobel de Literatura). Os nazistas e seus aliados acabaram com o judaísmo de fala iídiche e com 6 milhões de judeus, assassinados apenas por sua etnia, real ou imaginária. E muita gente não conseguiu fugir do nazismo por não ter, simplesmente, para onde ir.
         Assim, a idéia de um lar nacional, um abrigo seguro, para onde os perseguidos pudessem se dirigir é facilmente compreensível. Para muitos sobreviventes do Holocausto a única chance era fazer parte de um estado próprio, judeu, Israel.
         É verdade que o país talvez não tenha feito jus a todos os sonhos igualitários. É verdade também que esses sonhos não passam atualmente de vaga lembrança, no mundo inteiro, hoje varrido por um pragmatismo assustador. O kibutz deu lugar aos muros de concreto, a integração cedeu à exclusão, e isso é triste. Mas será tão diferente das fortalezas em que nós todos nos entrincheiramos, defendendo-nos, com altos muros, grades e porteiros uniformizados, dos brasileiros pobres e miseráveis? Mais do que julgar levianamente, o que nos resta é desejar que Israel encontre com seus vizinhos um caminho de harmonia e respeito. Todos merecem viver em paz.
 


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