Completar 40 anos
Correio Braziliense


Não dá para disfarçar, meu amigo: fazer 40 anos é um marco. Por mais que se tente prolongar a adolescência e protelar a entrada no mundo adulto, não dá mais para alguém completar 40 anos e se considerar um jovem. Colegas de serviço mais novos começam a chamá-lo de senhor, indesejados fios brancos despontam e resistem às tentativas de fazê-los sumir, o joelho dá aquela fraquejadinha, a barriga cisma em mostrar uma incomôda curvatura, o excesso de comida deixa de ser absorvido generosamente pelo organismo e passa a pesar no estômago.

Você descobre que não tem mais a mesma paciência que julgava ter para com os ruídos que seus filhos fazem, passa a odiar barzinhos e não aceitou o convite do primo Luiz para ir à Copa na África do Sul por não suportar o som das vuvuzelas.

Depois de fazer as contas e analisar as probabilidades, você fica na dúvida: “Será que viverei outros 40 anos ou já dobrei o Cabo da Boa Esperança? Puxa, e não é que o tempo passa tão depressa mesmo, como meu pai dizia, e eu nem percebi? É verdade que a média de idade da população brasileira aumentou, que tem gente chegando inteira aos 90, que o Viagra resolve alguns inconvenientes, mas quem garante que eu chego lá”?

De repente você se percebe nostálgico, lembrando da infância, da vida em família, do vestibular, da república com suas festas proibidas para as irmãs, das antigas namoradas, do tempo em que o seu Palmeiras ainda era um time grande e observa que o tempo passou mesmo.

Nota que, aos poucos, seu pai começa a lhe pedir conselhos, em vez de dar, sua mãe parou de recomendar que “não se deve sair de casa sem guarda-chuva e agasalho mesmo no verão”, seu tio parou de beliscar sua bochecha e, pior de tudo, você foi jantar outro dia com sua prima Sonia, aquela gostosa, e ninguém olhou nem para você, nem para ela. O policial rodoviário te parou na estrada, olhou firme, e disse “meu senhor, pode seguir”, sem ter ao menos pedido para ver seus documentos. Amigos de turma, aqueles com quem você adorava zoar, foram eleitos síndicos de seus prédios, por unanimidade.

Você se pergunta como vai ser a vida daqui para a frente, além de ser com menos cabelo. Será que viver sem esperar que nada ocorra de surpreendente é viver? Ou, pior ainda, será que você entrará no time dos que torcem mesmo para que nada de diferente aconteça na sua vida? Um sentimento de juventude perdida te invade (ela se confunde com um sentimento de vida perdida e de nada ter a viver de verdade daqui para a frente, se frente houver). Começa a pensar nas oportunidades perdidas, nos livros que não leu, nos filmes que não viu (mas isso ainda tem conserto), nos amigos que não fez, nas mulheres que não namorou, no tio velhinho que não visitou (e ele morreu), no concerto de Beethoven que perdeu, no show do Milton Nascimento que deixou de assistir.

Pensa agora nos subalternos que desprezou, nos chefes que bajulou, na mulher e nos filhos com quem não tem conversado, nos irmãos com quem não tem se irmanado.

Acorda, cedinho, na manhã do seu aniversário de 40 anos e vê que a vida, afinal, não mudou tanto. E que, talvez, até seja bom que mude, de verdade.

Dá o primeiro sorriso quando pensa na festa que está sendo preparada só para você e na qual encontrará muita gente com quem gosta de estar. Olha no espelho e se vê com mais coragem do que na noite anterior e faz uma opção: Levar a vida de uma forma diferente, revelar mais seus sentimentos, ser mais Maradona e menos Dunga. Dá um beijo que surpreende sua mulher (“amor, ainda nem escovei os dentes!”), faz um sanduíche com queijo derretido para cada filho, toma o café sentindo o sabor generoso do líquido descendo e aquecendo você por dentro.

Quem sabe, pensa, conseguirá viver o resto de vida que lhe resta, quantas décadas, anos, meses, ou dias forem, de modo ainda mais intenso do que viveu as quatro já vencidas. Curtir mais as alegrias, não valorizar tanto os maus momentos. E se entregar, de verdade, àqueles a quem ama.

Seria uma boa maneira de começar a segunda metade da vida...



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