No meio
da confusão que tem caracterizado o parlamento brasileiro, da venda de votos em
troca de verbas e de postos na administração pública, no meio do desapontamento
das pessoas com relação à honestidade de políticos que se apresentavam como
baluartes da ética, no meio de conluios vergonhosos alinhados secretamente, ou
fechados de forma descarada e explícita, podemos ser levados a acreditar que
nada é ideológico e tudo é fisiológico.
Isso de fato acontece com um bom número de congressistas, com um grande
número de partidos, mas não com todos. Há alguns que continuam fiéis aos seus
ideais – e nem sempre isso é tão bom. De um lado, temos uma direita retrógrada,
contrária a qualquer avanço social e comportamental, truculenta, homofóbica.
Mas não é dela que quero falar hoje, e sim de partidos autodenominados de
esquerda.
Temos,
por exemplo, aqueles que não se conformaram com as mudanças ocorridas no mundo
e levantam bandeiras já mofadas, superadas pela História. Afinal, ranços de
stalinismo e maoísmo nos dias de hoje (quando a Rússia e a China já disseram
adeus a esses ideais há muito tempo), saudades de regimes assassinos, não podem
recomendar grupelhos partidários inexpressivos em votos, mas barulhentos. É uma
velha esquerda, no mau sentido da expressão. Essas correntes políticas
participam do jogo democrático para destruí-lo, pois seu objetivo são as
mudanças estruturais em ritmo acelerado, o rompimento radical da ordem
institucional. O resultado de sua ascensão ao poder seria o partido único (pois
a verdade para eles é única), o fim da liberdade de expressão (tanto da imprensa
quanto do indivíduo), da propriedade privada dos bens de produção, o controle
da atividade artística (Mao chegou a proibir a execução de músicas de Mozart,
Stalin simplesmente mandou matar numerosos escritores). Os representantes
desses arcaísmos em forma de partido clamam por democracia: democracia esta que
seria imediatamente confiscada dos brasileiros caso esses partidos chegassem ao
poder.
Temos os agrupamentos
originários de sindicatos. Em algumas décadas a economia mundial mudou muito e
hoje em dia tem mais gente ligada ao setor de serviços do que à produção de
bens industrializados. Os avanços no sistema produtivo deslocaram a atividade
sindical do chão de fábrica para os escritórios dos edifícios de empresas
privadas e públicas. Os partidos de base sindical teriam que mudar seu DNA, mas
não tiveram muito sucesso nesse processo: mantiveram algumas características
negativas do velho sindicalismo (dirigentes se eternizando no poder, verbas
garantidas por lei, ligação promíscua com o Governo) e não se renovaram. E
pior, quando no poder, praticaram “malfeitos” (na expressão delicada da ex-presidente
Dilma) em nome da continuidade no poder, para defender o povo...
O diabo é
que pouca gente pensa e age como uma esquerda moderna, voltada para avanços na
área de comportamento, da representatividade real, de um sistema de impostos
progressivo bem estruturado que não desestimule os investimentos produtivos, mas
não puna os menos aquinhoados, de uma escola pública universal e de qualidade.
O irônico é que poucos países (se é que houve algum) tiveram na presidência,
como nós, durante oito anos um importante intelectual com convicções social democratas e durante outros oito um importante líder
sindical de origem operária. Contudo, depois desses dezesseis anos, que
deveriam ser de avanços importantes, continuamos com uma escola pública que
reproduz as diferenças sociais em vez de aplainá-las. E é claro que não são os
cursos superiores de má qualidade, desses que funcionam com taxímetro, que vão
dar melhores condições aos jovens que não conseguem entrar em boas
universidades. Depois desses dezesseis anos de governos supostamente
progressistas, continuamos tratando o aborto como uma questão religiosa e não um
problema de saúde. Continuamos burocráticos e ineficientes se comparados com
países de primeiro mundo, mas também nossa ineficiência se manifesta se
comparada com nações emergentes que, graças à desburocratização, a uma escola
pública de qualidade e a avanços na área de comportamento, saíram lá atrás e
rapidamente nos ultrapassaram.
E ainda
tem gente no Congresso que lança manifestos de apoio a Maduro, o tirano que
está infelicitando a Venezuela... Bem o PSOL, que até parecia um partido
moderno de esquerda. Que desilusão! Pelo visto, de moderno ele só tem o Jean
Wyllys.