A questão da leitura no
Brasil é difícil de formular. Por um lado envidam-se esforços no sentido de
proporcionar acervos de livros adequados para leitores em escolas e
universidades, centros de juventude, bibliotecas públicas e particulares. Por
outro se treina as novas gerações em mídias digitais, o que não seria
problemático, não fossem elas utilizadas quase que exclusivamente para
mensagens e informações apressadas e superficiais, quando não levianas. Ao dar o
mesmo valor a qualquer blog do que se dá a uma fonte criteriosa, como um bom
jornal, o leitor se torna vítima fácil de notícias plantadas, informações
maliciosas, ou simplesmente mau jornalismo. Todos nos tornamos médicos,
advogados e historiadores após uma rápida consulta ao que disse tia Cotinha no Facebook
da família, ou no Whatsapp da turma da escola. Há professores que simplesmente
mandam pesquisar na internet, como se tudo que se encontra na web tivesse
equivalência. Nem damos bola para o fato de que a especialidade de tia Cotinha
é uma deliciosa sopa de legumes com ossobuco e que o primo de Paraguaçu
Paulista não se notabiliza pela capacidade de selecionar informações.
Confunde-se espaço democrático e direito de expressão com competência e divulgam-se
asneiras de todo tipo sob o argumento de que todos têm o direito de se
expressar. A única ressalva é que direito de se expressar não pode ser
confundido uma vez mais com qualificação em todas as áreas. Para dar um
exemplo extremo e obvio Dr. Paulo não me consultou sobre a técnica que deveria
usar para implantar o marca-passo no meu peito. E eu ouso dar aulas e fazer
palestras sem perguntar a opinião dele sobre fatos históricos. A qualificação
existe, senhores...
Assim, que me desculpem os
palpiteiros, mas competência é preciso. Claro (não finjam que não entenderam
meu argumento) que não me refiro a assuntos e temas sobre os quais qualquer
cidadão pode e deve se manifestar. Qualquer um pode e deve opinar, por exemplo,
sobre reforma política (menos partidos? Voto distrital? Fim das coligações? Financiamento
oficial? De empresas? Só de pessoa física?). Todos podem e devem entrar na
discussão sobre se questões de saúde pública (como o aborto) devem ser
confundidas com questões religiosas. Se foro especial não é uma prática
antirrepublicana que beneficia apenas os já beneficiados e cria cidadãos de
classes diferentes em uma sociedade que deveria privilegiar a igualdade de
oportunidades. Se já não chegou o momento de acabar com essa folga de
autoridades requisitarem aviões oficiais para passar o fim de semana em seus
feudos (feudos, sim senhor) eleitorais, etc, etc, etc...
É evidente que não se deve
tolher o exercício pleno da cidadania, que inclui o direito à manifestação, pelo
contrário. O que defendo é o direito à informação séria, responsável, relevante.
É fundamental ficar alerta, selecionar criteriosamente as fontes, evitando-se
divulgar notícias falsas, textos apócrifos, supostas opiniões de figuras
conhecidas que nunca disseram aquilo, trechos truncados que distorcem o
conteúdo e, não menos importante, provocações irresponsáveis. E aí voltamos à
questão da leitura de livros. Se você, improvável leitor deste artigo, não for
um leitor de livros eu sinto muito. Ainda é neles que está depositado grande
parte do patrimônio cultural da humanidade. Em livros estão registrados desde os
textos sagrados das três mais importantes religiões monoteístas do mundo até as
reflexões mais sofisticadas dos pensadores contemporâneos, passando por todos
os teóricos sociais, estudos de economia, avaliações históricas das principais
organizações sociais criadas pelo homo sapiens. Há livros para adultos e para
crianças, para ler na praia, no metrô, no escritório, na cama. E se pensarmos
em ficção, com livros a gente cria o personagem do nosso jeito, não fica
sujeito aos caprichos do diretor do filme, por isso melhor que ver um bom filme
é ler um bom livro.
Em uma sociedade em que o
celular fica obsoleto em dois anos e uma relação amorosa não costuma durar nem
isso; em que não temos tempo para conhecer as pessoas, elas nos aborrecem antes
de sabermos quem elas são; em uma sociedade em que não degustamos, devoramos;
em que não sabemos mais apreciar os caminhos, só queremos chegar; em que
aprendemos a ler por cima, pulando linhas, letras e sentidos, sem curtir a
construção elegante, o uso correto das palavras, o texto coeso, a mensagem
clara; Quem teremos para ler livros nas próximas décadas?