Contradições do mercado editorial
“Caderno 3” do jornal Diário do Nordeste
Entrevista concedida ao jornalista Délio Rocha para o “Caderno 3” do jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, 19 de agosto de 2006.
Nunca se publicou tantos livros no Brasil. Isso não quer dizer que o mercado editorial passeia em céu de brigadeiro. Em entrevista ao Caderno 3, o professor, escritor e historiador Jaime Pinsky, diretor da Editora Contexto, que participa, em Fortaleza, do 34º Encontro Nacional de Editores e Livreiros, expõe os altos e baixos do setor, as contradições e os gargalos que impedem o Brasil de ser um país de leitores. Ele também fala da relação nem sempre harmoniosa entre editore e autores. Pinsky conhece bem os dois lados da moeda, além de editor, é autor ou co-autor de duas dezenas de livros, entre eles Cidadania e Educação, O Brasil tem futuro? e História na Sala de Aula. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.
- Como o senhor define o atual momento do mercado editorial brasileiro?
Jaime Pisnky – as pessoas costumam dizer que o momento é de transição. E é isso mesmo. Hoje tem uma curiosidade: existem mais editoras no Brasil do que pontos de venda. Está mais fácil editar. O desafio é editar bem e fazer circular. O custo de circulação aumentou muito e está difícil vender livro. A maioria das livrarias só trabalha com consignação e o editor tem que bancar o giro. O cenário é de contradição: tecnicamente está mais fácil editar, porém, economicamente, ficou mais difícil do que há 20, 30 anos. Hoje tem maus títulos, com tiragens menores. E o mercado precisa se acostumar com a nova realidade.
- A tiragem pequena, em parte, explica o preço alto...
Jaime Pinsky – O livro com uma tiragem de 2 mil exemplares certamente vai ser mais caro do que aquele com uma tiragem de 5 mil exemplares. O custo fixo é o mesmo: tem a revisão, preparação de originais, filmes, fotolitos, preparação do projeto editorial... Felizmente, a edição do livro não está mais cara por causa da tecnologia. Há alguns anos eram necessárias sete revisões antes de se publicar um livro. Hoje, bastam três.
- Quando vamos ter livros baratos no Brasil?
Jaime Pinsky – Para baratear o preço é necessário uma base maior de leitores. Muita gente tem vontade de ler, mas não tem dinheiro para comprar livros. Mas o gargalo não é só o preço. No Brasil, uma quantidade representativa de pessoas tem poder aquisitivo para comprar livro, mas não compra. Falta o hábito. O problema tem a ver com a questão cultural. O brasileiro não é acostumado a ler. No avião em que vim de São Paulo para cá, observei que só qutro pessoas estavam lendo livro, em uma viagem de mais de três horas! No vôo, tinha um grupo de crianças e os pais não tiveram a idéia de comprar livros para que elas lessem na viagem. Lá fora, algumas companhias aéreas distribuem livros para crianças. Uma companhia israelense permite até que elas levem as obras para casa. Aqui é outra realidade. No aeroporto, não existe biblioteca, espaço da leitura e as tevês são ligadas com o som bem alto, incomodando quem deseja ler. Nos hotéis, a luz de leitura é quase inexistente. Quando peço para trocar as lâmpadas, eles acham isso chato.
- E o que é preciso fazer para recuperar o tempo perdido e transformar o Brasil num país de leitores?
Jaime Pinsky – O hábito da leitura é criado desde a infância. É difícil adquirir o hábito depois de adulto. Para que a leitura seja uma prática prazerosa é importante o papel dos pais e professores. Fora de casa o calo está no professor, este é o cerne da questão. O professor não consegue fazer com que o aluno crie o hábito da leitura quando ele mesmo não gosta de livros. Daí a necessidade de uma ação pública radical durante algum tempo, talvez por uns dois anos, a partir do Ministério da Educação e Cultura, no sentido de trabalhar todos os professores da rede pública, convencê-los da importância da leitura e dotá-los de habilitações para a formação do leitores. Isso depende de uma revolução mesmo e não apenas de uma reforma. Os professores de hoje usam para sua formação cultural apenas os meios eletrônicos como a televisão, que é superficial. Isso é pouco e não respeita a imaginação criativa das pessoas, como nos livros. O personagem de uma novela já está pronto. No livro, é a partir do universo de valores do leitor que os personagens são criados. E não adianta dar só livros didáticos para as escolas. É bom, mas é pouco. Um professor mal formado com um bom livro não faz nada. Por outro lado, um professor com boa formação faz muita coisa, mesmo que não tenha em mãos livros de qualidade.
- O professor não seria apenas a face mais visível do problema? A crise não estaria em toda a rede pública de ensino?
Jaime Pinsky - Por isso que defendo uma mudança radical. A educação pública deveria ter, por função, diminuir a diferença de oportunidades entre as pessoas. Hoje, só o rico tem acesso à boa escola e entra nas melhores universidades,. Tem-se a reprodução de desigualdade, quando deveria acontecer o oposto. A escola deveria ser o espaço que estimulasse a meritocracia, em que o melhor vencesse. Deveria ser um espaço democrático. Educação e cultura devem se nossas ideologias.
- O leitor brasileiro tem um perfil diferente dos leitores americano, europeu, japonês? Alguns gêneros de livro são mais valorizados aqui do que lá fora?
Jaime Pinsky – Não existe diferença significante. É errado dizer que o leitor brasileiro é superficial. Eu acho que o leitor tem o direito de fazer as suas escolhas. E as editoras precisam estar atentas aos interesses do leitor. A Contexto, por exemplo, tem um projeto de democratizar o saber, alcançando o maior número de pessoas.
- Até onde vai a interferência do editor na hora de publicar um livro? E quais são as sugestões mais comuns dos editores?
Jaime Pinsky – Se o texto tem característica de academicismo exagerado, que vai impedir a disseminação do saber, negociamos com o autor, propondo interferências importantes. O autor conhece assunto, mas é o editor que conhece o mercado. Então, existe a necessidade de conciliação. Tenho dois exemplos: um deles é o projeto História das Guerras (NR: livro organizado pelo sociólogo e jornalista Demétrio Magnoli). Recebemos muitos textos duros. Tivemos que excluir notas de rodapé, vícios de linguagem, limpar o texto. Os autores aceitaram bem nossas sugestões. Não houve interferência no conteúdo, na ideologia, só na forma. E o resultado foi bom, o livro continua em ascensão. Outro exemplo é a obra O português da gente, do Rodolfo Ilari, que defende a autonomia de nossa língua, que estabelece diferenças entre o português. Antes da edição, o texto era acadêmico. Mas não fazia sentido ele escrever só para seus pares. Depois das mudanças, o livro ficou um tesão.
Os autores não se incomodam com a interferência do editor?
Jaime Pinsky – Descobri que é mais fácil convencer um intelectual de alto nível a estabelecer mudanças em seu livro. O intelectual inseguro não quer mexer em nada, nem nas notas de rodapé. Quem é de alto nível tem segurança. Os bagrinhos são os que se incomodam. Para estes, o mundo se divide em antes e depois do seu mestrado.
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