“Professor é o elemento-chave para revolucionar a Educação no Brasil”

Agência BR

Entrevista concedida aos jornalistas Luciano Martins e Mônica Paula, da Agência BR e publicada simultaneamente nos jornais Correio Popular, Cruzeiro do Sul, Comércio de Franca, Diário da Região, Diário do Grande ABC, Folha da Região, Gazeta de Ribeirão, Jornal da Cidade, Jornal de Jundiaí, Jornal de Limeira, Jornal de Piracicaba, O Diário de Mogi, O Imparcial, O Liberal, Tribuna da Imprensa e Vale Paraibano.

A falta de uma política de longo prazo é freqüentemente apontada por especialistas como um dos grandes problemas da educação no Brasil. Poucos, no entanto, se arriscam a sair do lugar comum e propor uma mudança radical de foco nas políticas públicas para o setor. Dono de um currículo respeitável, Jaime Pinsky, paulista de Sorocaba, licenciado em História e docente de instituições como USP, Unicamp e Unesp, defende a tese de que o resgate da qualidade do ensino começa com a requalificação dos professores.
 A premissa que, na sua opinião, precisa ser radicalmente transformada, é simples mas essencial para melhorar a qualidade da educação: a sociedade não tem apreço pelo professor, que não é visto como uma pessoa importante e, portanto, acaba desenvolvendo uma visão depreciada de si mesmo. Ao lado disso, os governos de todos os níveis e por décadas seguidas têm preferido investir em livros didáticos e equipamentos, que produzem mais visibilidade.
 Ao mesmo tempo, o Brasil é um país preocupado com a educação, porque educação é importante. Essa contradição, no entender de Jaime Pinsky, demonstra que os formuladores de políticas públicas não acreditam de fato no poder transformador da educação. Assim como a Alemanha em poucos anos conseguiu "nazificar" toda, ou quase toda, sua população (nos anos 30), se vê que a escola continua sendo ainda hoje um instrumento social extremamente forte, para o bem e para o mal, pondera. "A minha idéia seria utilizar a estrutura que tem a escola para fazer um trabalho muito grande com os professores", explica.
 Autor e/ou organizador de 23 livros e conferencista, Pinsky teve a oportunidade de conhecer experiências variadas em países tão diversos como Estados Unidos, México, Porto Rico, Cuba, França e Israel. Respaldado nesses estudos, ele defende que um "choque de qualidade" no sistema educacional brasileiro é absolutamente necessário e urgente, mas só faz sentido se começar pela recuperação do respeito ao educador, na escola e na sociedade.
 "O pressuposto de uma escola, num país em que há separação entre público e privado, é que ela seja universal, pública e de boa qualidade", afirma. O raciocínio é que a escola, nestas circunstâncias, se torna um elemento de redução das diferenças sociais, um local democrático, onde as oportunidades para todos se tornam mais próximas. Pinsky lembra que a escola pública dos anos 40 e 50 do século XX tinha qualidade mas era excludente. A qualidade persistiu razoavelmente até o início dos anos 60 e a derrocada teria começado quando camadas maiores da população passaram a ser atendidas. "Ela foi piorando de qualidade porque os governos destinaram menos verbas por aluno, os salários dos professores foram diminuindo, a ponto de se tornarem ridículos, e as instalações se deterioraram", observa. Como pensador da educação, ele vê a incompatibilidade entre inclusão e qualidade como resultado de políticas públicas equivocadas e da falta de determinação dos sucessivos governos, praticamente sem exceção. A constatação de que a escola piora à medida que se torna mais universal basta, para ele, como prova de que o sistema educacional precisa ser reinventado. Para isso, pondera, são necessárias mais ações de educação e menos ações políticas. Ele cita, como exemplo de ação política, "o enorme gasto com livros didáticos, que sempre servem como oportunidade para o deputado aparecer, o prefeito inaugurar biblioteca, o político fazer discurso".
 
Na gaveta
 
Na opinião de Jaime Pinsky, para fazer com que a escola pública tenha qualidade e siga ampliando sua capacidade de receber alunos, é preciso investir no professor. Ele já levou a ministros do atual governo e do governo anterior um projeto ambicioso de requalificação massiva de educadores, mas sua proposta dorme em alguma gaveta do Ministério da Educação. Basicamente, ele defende a deflagração de um grande projeto nacional de requalificação, liderado por universidades públicas e fundações que, de alguma forma, recebem verbas governamentais. Essas instituições teriam parte de suas dotações financeiras condicionadas ao seu engajamento nesse programa em favor dos professores.
 Nos planos de Pinsky, é preciso impactar o sistema educacional com uma maratona de treinamento dos professores, com a criação de cursos de um a dois anos para quem está nas salas de aula. Depois, o seguimento de uma rotina de atualizações para manter o professor interessado na progressão de suas capacitações.
 "Isto é perfeitamente possível, falta apenas vontade política", afirma, observando que "é muito mais interessante para os governos fazerem acordos com os municípios em torno da doação de livros. O prefeito aparece, o deputado local aparece, todo mundo aparece, enquanto trabalhar com o professor não traz dividendos políticos", ataca.
 O educador admite a existência de boas iniciativas da União e de alguns governos estaduais, mas que não resolvem porque, segundo ele, atuam apenas "no varejo" e não atacam a grande massa dos docentes. "Não estou falando de programas que requalificam 1% ou 2% dos professores em quatro anos, tempo de um governo. Na prática, essas iniciativas acabam se tornando saídas demagógicas localizadas, que dão uma qualificação diferenciada para poucos professores". Depois desses cursos, comenta, muitos deles não querem voltar para a sala de aula, passando a aspirar a um cargo de supervisor de ensino ou diretor.
 
Trabalho de base
 
Sem citar nomes, Pinsky relata que dois ocupantes recentes do Ministério da Educação, um no governo Fernando Henrique Cardoso e outro já no governo Lula da Silva, ouviram suas idéias e as consideraram ımaravilhosası, mas nada aconteceu. "Por isso digo que não é um problema educacional, mas sim de vontade política", insiste. O uso da estrutura da rede escolar seria a plataforma para a implantação dos programas de requalificação. E os docentes do ensino fundamental, os primeiros beneficiados. Pinsky aposta num aumento vigoroso da auto-estima dos profissionais, condição essencial, na sua opinião, para a melhoria da qualidade do ensino.
 A relação entre a perda de qualidade no ensino e o processo de universalização da escola pública ı que aos poucos substituiu sua clientela de classe média, presente nas redes oficiais até os anos 1960, por alunos mais pobres ı , está claramente no abandono do professor, afirma Jaime Pinsky. "O que está acontecendo é que os educadores vão sendo formados aos montes e cada vez com menos qualidade. É preciso fazer um trabalho radical em algum momento neste Brasil, uma revolução educacional importante, uma requalificação dos professores paralelamente à revalidação do papel do professor na sociedade", insiste.
 
Choque de realidade
 
Instigado a opinar sobre a tese de outro conhecido educador, o senador Cristovam Buarque, pré- candidato do PDT à Presidência da República, que, em entrevista à APJ publicada no domingo passado (28/05), defendeu a separação de 1% do Orçamento da União para a educação, Pinsky repetiu que o problema não é simplesmente de verba. "Bastaria transferir uma parte do dinheiro que se coloca no livro didático, e no aparato que o cerca, para o treinamento dos professores", observa. "Não quero ser leviano e contraditar Cristovam Buarque, que é uma pessoa muito séria, dizendo que não é necessário um sistema novo de verba. Claro que isso é necessário, mas só mais verba não vai resolver", complementa.
 Seu projeto de requalificação de professores visa especificamente melhorar o ensino fundamental, "onde tudo começa". Na sua opinião, nesse ponto do processo educacional é possível produzir soluções de longo prazo que vão gerar bons frutos por décadas adiante e evitar problemas no ensino superior. Soluções desse tipo, que visam projetar um futuro de vinte anos ou mais, não podem ser confundidas com iniciativas destinadas a corrigir distorções históricas por exigência de pressões sociais, acrescenta o educador.
 
Cotas sociais
 
Jaime Pinsky considera um erro a perenização de medidas de impacto que, mesmo surtindo efeito em curto prazo, passam a ser consideradas soluções permanentes em contextos diferentes daqueles que as justificavam. Sua formação de historiador o impele a considerar que "tratamentos de choque", como o sistema de cotas para negros nas universidades públicas, são um modelo provisório de intervenção no problema da inclusão educacional. "É uma solução circunstancial que não pode ser para sempre, como a CPMF, que surgiu como uma contribuição provisória e permanece até hoje", afirma.
 "Ao contrário dos economistas, que nunca acertam sobre o futuro, o historiador é um modesto adivinhador do passado", brinca Jaime Pinsky. "Eu sou historiador e acho que está claro, mesmo para os mais renitentes defensores do modelo de cotas, que isso é uma coisa provisória", acrescenta. Na sua opinião, o sistema de cotas não pode ser um modelo permanente. "É um choque repentino para dizer que existe um problema, que há uma questão racial no Brasil e essa questão tem reflexos nas oportunidades que as pessoas têm de entrar nas universidades. Mas não se pode deixar que, por inércia, o sistema de cotas permaneça por muito tempo. "Tenho absoluta convicção de que este sistema vai levar a distorções extremamente importantes e graves, inclusive reacendendo alguns problemas de caráter racial que nós não temos", completa.
 
Tratando o sintoma
 
No entender do educador, medidas de choque devem ter um prazo de validade e novas soluções devem ser estudadas, para verificar se não é o caso, como a USP está fazendo, de criar um percentual de vagas a mais para alunos oriundos de escolas públicas. "Tudo isso, evidentemente, está trabalhando não na solução do problema, mas nos sintomas. É como alguém aparecer com uma febre muito forte e você dá um antifebril. Isso vai resolver o problema da febre, mas não ataca o problema da origem da febre", compara.
 "A solução é dar uns pontinhos a mais para os negros ou para todos os que vêm da escola. pública?", questiona. ıA solução é aquela que eu apresentei no começo: ter uma escola pública universal, de qualidade, e isso se consegue investindo no professorı, defende. Em suas palestras e nas atividades para professores que realiza por todo o Brasil, Jaime Pinsky tem se deparado com um quadro desolador. "A solidão dos professores é uma coisa dramática. Quando você cria atividades e valoriza os professores, eles se sentem profundamente orgulhosos da missão que têm. Voltam a sentir uma coisa da qual vinham se desligando porque vão sendo cada vez menos", observa. A solução para o problema educacional, conclui, é investir nessa chama.


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