Por que cidadania? Ou melhor: o que é cidadania?
Valor Econômico


Resenha de Francisco Costa publicada no jornal Valor  de 2,3 e 4 de maio de 2003.
 
 
Por que cidadania? Ou melhor: o que é cidadania?
 
 
         Não há dúvida de que o tema cidadania seja candente. Nos quatro cantos do planeta, com a globalização, vemos mobilização, debates acirrados, muitas vezes confrontos até mesmo físicos. Por que cidadania? Ou melhor: o que é cidadania?
         Está certo o leitor que responder que cidadania é o direito de ir e vir, de votar, de ter um salário justo. Isso tudo sabemos nós que saímos todos os dias para trabalhar, que enfrentamos a fila do ônibus, que almoçamos no quilo da esquina que nos damos ao luxo de ir a um cinema, que, se não for visto, nós trará uma imensa sensação de perda.
         Isso para não falarmos da liberdade para escolher um time para qual torcer – sim, a liberdade de escolha das cores do clube, tanto quanto da rádio que se quer ouvir. E aqui sim chegamos a um ponto x. A palavra “liberdade”.
         Por extensão, sabemos que liberdade traz consigo duas outras coisas preciosas: direitos e deveres. Se nos apegamos em demasia aos deveres, alguma coisa está errada em nossa vida. Se por outro lado, o mesmo acontecer com os direitos, corremos o risco de assumir a prepotência - e tudo de nefando de que os tiranetes, clandestinos ou não, se utilizam em sua vida rotineira.
         Pode parecer paradoxal, no momento em que mais se fala em direitos, haver a, por vezes indigesta, colocação dos deveres. Mas não deveria ser assim – de que outro modo uma população, suponhamos, como a de São Paulo, não entraria em colapso sem a questão dos deveres?
         Muito teórico, podem dizer alguns. Mas não é assim. Se o leitor olhar para o que foi escrito acima, ele vai observar que um grande número de palavras significativas faz parte deste texto e está intimamente ligado à questão da cidadania.
         Por exemplo, seu bem-estar psíquico, direito primordial de qualquer ser humano, tem a ver tanto com o que você tem dentro de si, quanto diz respeito ao mundo e à sociedade que o rodeiam. Assim, o direito ao bem-estar psíquico – que alguns chamam de qualidade de vida – é condição primordial ao bom desenvolvimento da pessoa.
         Nesse mundo complexo dentro do qual estamos mergulhados, banhados todo o tempo por todo tipo de ondas – sejam solares, sejam hertzianas, sejam lá o que forem – como medir se somos mais ou menos felizes? A razão aponta para o fato de sermos ou estarmos alegres, ou contentes, com nossa própria vida e como fazer para aprimorá-la. Um exame interior que só cada um de nós pode fazer.
         Pois bem, com a questão da cidadania circunvoando (passe o neologismo) nossa existência e estando no centro da questão do globo em que vivemos, uma obra e tanto acaba de ser posta em circulação: História da cidadania (Contexto), organizada por Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky. É um volume, eu diria, que se basta a sim mesmo. É um achado. No prefácio, Jaime Pinsky observa que até hoje muito se fala de cidadania, mas nunca se tratou de elaborar uma história da mesma, e que ela é, em si, uma obra original.
         De minha parte, concordo plenamente. Em 592 páginas o leito avançará, passo a passo pelas grandes lutas humanas em direção ao que denominamos hoje de cidadania. Do advento do Deus único hebreu, passando pela cidade-estado (polis) até a questão do racismo e do feminismo, encontrará um manual seguro, que o alicerçará dentro de uma das discussões mais fascinantes de nossos dias.
         História da Cidadania – que tem um capítulo dedicado especialmente à cidadania no Brasil – nasce como uma obra de referência. Sem dúvida, uma obra que, além de fonte contínua de consulta pela própria qualidade de edição merece estar em toda boa biblioteca. E que trata fundamentalmente de liberdade, de direitos e deveres. De cidadania, em suma.
 
Francisco Costa é editor da Revista USP.