Inquietações contemporâneas
O Estado de São Paulo - Caderno de Cultura
Jaime Pinsky analisa situação ética e política do Brasil
Matéria sobre o livro O Brasil tem futuro?, de Jaime Pinsky
Pensar o Brasil é uma tarefa difícil. Nosso complexo País possui indicadores sociais extremamente preocupantes, com enorme concentração de renda, terra e capital. Ao mesmo tempo, consegue enviar um astronauta ao espaço, produz tecnologia para explorar petróleo em águas profundas, descreve a genética de uma praga que devastou laranjais, entre outras virtudes difundidas dentro e fora do território brasileiro. Esse conjunto de atividades demonstra capacidade em formar pessoal qualificado para desenvolver sofisticados sistemas técnicos. Porém, as mazelas são mais presentes nos noticiários das redes de comunicação de fora e de dentro do País.
Diversos qualificativos já foram agregados para definir o Brasil: desigual, injusto, multicultural. Outra marca comum às análises é a crença em um futuro promissor para os brasileiros, como se o País fora um gigante adormecido prestes a levantar e demonstrar sua capacidade aos pares.
O livro O Brasil Tem Futuro?, do historiador Jaime Pinsky, reúne textos publicados no Estado, na Folha de São Paulo e no Correio Brasiliense e retoma o debate sobre as perspectivas para o nosso País. Em linguagem direta, o autor transita entre temas que afetam o cotidiano e o imaginário da população brasileira. Inquieto, ele lança perguntas claras sobre o caráter de quem vive aqui, sobre o sistema educacional, sobre a cultura, e analisa a aplicação das leis. Longe de ser apenas uma reunião de idéias dispersas, risco comum a obras desse tipo, o livro indica um chamado aos brasileiros e às brasileiras: tomar as rédeas da nação a partir de uma mudança nas atitudes.
O que fazer, então, para tornar nossa sociedade menos desigual? Para Pinsky, "o amor ao País precisa ser declarado a cada dia, e mais do que declarado, provado. Práticas cidadãs não rimam com esperteza, com levar vantagem, com ser anti-republicano". Esse é o argumento central que percorre a obra.
A interpretação dos dois Brasis, difundida com a palavra Belíndia, uma mescla de Bélgica com Índia que se dispersa pelo território brasileiro, é recuperada pelo historiador com outro enfoque. Para o autor, a culpa da situação em que vivemos é sempre atribuída ao outro. Como funciona esse dualismo? Ele exemplifica, ao citar as elites e suas críticas ao "povinho" que não trabalha, mas, como ele mesmo lembra, "se mata de trabalhar por um salário irrisório". De outra parte, aponta as observações das camadas populares, que critica as elites pelas condições em que vivem sem considerarem a iniciativa de pequenos e médios empresários que sustentam a base do emprego no Brasil.
ÉTICA
Outro dualismo citado pelo autor é formado pelos "bobões, que não sabem o que estão falando", resultado de anos passivos frente à televisão e ao desestímulo à leitura, e "espertalhões, que sabem o que estão falando", mas não agregam princípios éticos às suas qualidades intelectuais.
As tristes condições em que vivemos nessa parte dos trópicos precisam ser alteradas. "Espertalhões" e elites com medo e "bobões" e pobres sem condições de vida decente não podem conviver por muito tempo sem que as tensões gerem desencanto, violência e confrontos. De nada valem os saltos tecnológicos que inspiram jovens em universidades públicas brasileiras a dedicarem-se a pesquisas sem uma alteração profunda na base social do Brasil. Nas palavras do autor, "é preciso alertar os bobões e neutralizar os espertalhões"...
Wagner Costa Ribeiro é geógrafo, autor de Patrimônio Ambiental Brasileiro, entre outros, e professor da Universidade de São Paulo.
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