Origens do Nacionalismo Judaico
Referências na mídia


Um dos livros de maior fôlego de Jaime Pinsky, fruto de sua tese de Livre Docência defendida na USP, está também entre os que receberam o maior número de comentários publicados por parte de historiadores, sociólogos e jornalistas.
 
 
 
Texto de Paul Singer - na apresentação de Origens do Nacionalismo Judaico
 
“O estudo de Pinsky é claro, límpido, enganadoramente fácil: parece tão lógico verificar – uma vez conhecidos todos os fatos relevantes – que o nacionalismo dos judeus aburguesados era a ideologia naturalmente adequada para se livrar da presença não só molesta, mas perigosa, do judeu marginalizado, do "verdadeiro" judeu! Mas esta facilidade é apenas o resultado do pleno domínio de um conteúdo trabalhado a fundo, cuja forma enxuta, gostosa de ler e fácil de entender não revela as dificuldades superadas.” (...)
“A verdadeira obra histórica é aquela que, ao desvendar o passado, ao mesmo tempo ilumina o presente e transcende o seu tema, revelando no particular o universal. Por isso, penso que a contribuição de Pinsky é uma obra histórica no melhor sentido da expressão.”
 
 
Resenha escrita por Moacyr Scliar, publicada no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, em 13 de janeiro de 1979.
 
Em busca das raízes
 
         Origens do Nacionalismo Judaico é um livro importante e que se lê com agrado (...) o mínimo que se pode dizer do livro é que ele preenche uma lacuna; a saber, a falta, em nosso meio, de obras que abordem, do ponto de vista do materialismo histórico a questão judaica. O que explica a lamentável volubilidade com que o problema por várias vezes é abordado, resultante de uma mistura de desinformação ao resíduo de anti-semitismo do qual ninguém é de ferro para escapar.
         O mérito de Pinsky é tanto maior quanto se sabe que a bibliografia a respeito não está facilmente disponível. (...)
Examinando o nacionalismo judaico, e sua expressão mais definida, o sionismo político, Pinsky propõe-se a demonstrar que o mesmo se constitui, em suas próprias palavras, numa resposta dentro da História. E isto, o autor – jovem, mas já detentorde um apreciado currículo – consegue plenamente. A partir da situação dos judeus na Idade Média, passando pelos movimentos messiânicos e chegando à época capitalista, Pinsky desfaz, em primeiro lugar, o mito do nacionalismo judaico como uma força puramente espiritual, um ato de volição; aqui, como seria de esperar, ele vai às raízes e procura nas condições de vida e de produção das massas judaicas, especialmente na Europa Oriental, o primum movens da idéia sionista.(...)
A análise histórica do período abrangido pelo livro é muito boa. (...)
Crítico do sionismo, Pinsky não deixa de aceitá-lo como realidade histórica. Uma atitude no mínimo saudável, que evita desvios tolos e até criminosos.(...)
Por sua sobriedade, por sua exatidão, o livro de Pinsky fornece uma sólida base para discussão. (...) É um exemplo a ser seguido por todos aqueles que se propõem a examinar com isenção a questão judaica e a conjuntura do Oriente Médio. Se tal acontecer, teremos abertos importantes canais de comunicação. Menos bombásticos, mas tão ou mais necessários que os de Camp David.
 
 
 
Resenha escrita por Nilo Odália publicada na revista Isto É, em 21 de março de 1979.
 
 
         Por ser uma ideologia de dominação, o nacionalismo reveste-se sempre de um caráter de sistema fechado e dogmático, que tem por centro de convergência uma representação abstrata de nação. É essa representação abstrata que tem a incumbência de legitimar tudo o que se faz em seu nome. O fato de a ideologia nacionalista aparecer, muitas vezes, como uma forma autêntica de expressão de povos e nações não pode obscurecer a trágica realidade de que é acobertada por ela que se desenvolvem formas grotescas de governo despótico e fascista.
Sobre esse pano de fundo é de grande interesse conhecer o que significa o nacionalismo judaico, essencialmente aquele que se devolveu antes da fundação do Estado de Israel. Nesse período, um nacionalismo judaico surgiu como algo tão peculiar e extravagante como as figuras mitológicas híbridas. Uma questão parece-me essencial: como conciliar o universalismo do povo judaico e o particularismo de cada um de seus grupos, obrigados a viver em condições sociais e históricas inteiramente diversas?
         Sendo um caso-limite, o nacionalismo judaico presta-se magnificamente ao papel de referencial comparativo, pois através dele pode-se testar e verificar se os mecanismos sociais que levam ao nacionalismo são os mesmos, quaisquer que sejam as condições, ou se variam em função de condições peculiares. A nação e povo judaicos estavam dilacerados e submetidos aos mesmos conflitos sociais que dividem as outras nações e povos. Pinsky demonstra que são os mesmos interesses criados pelo modo de produção capitalista que orientaram e definiram o nacionalismo judaico. Desmistifica-se, assim, a imagem de uma nação coesa, incorruptível e dedicada exclusivamente aos problemas de sua permanência como grupo étnico, cultural e religioso.
         Como todo nacionalismo, o judaico é a expressão dos antagonismos de classe. (...) A solução mais simples para o problema era uma prática judaica em que as relações de classe voltassem a ser o que sempre foram: uma determinação do modo de produção.
         A solução, sabe-se, foi providenciada, e hoje temos um Estado de Israel. O nacionalismo atual vem apenas confirmar que ele é filho de suas origens.
 
 
 
Resenha escrita por Beto Pechman, publicada na Revista Shalom (nº 158, ano XIV), em agosto de 1978.
 
 
O passado revisto
 
 
         Poucos foram os autores que ao procurar explicar a permanência do povo judeu na história conseguiram escapar das armadilhas e falsos problemas que esta lhes armou. A maioria, seduzida pelas facilidades dos fatos concretos deixa-se por eles levar, preocupando-se apenas em organizá-los e depois adaptá-los ao sabor de sua ideologia. Se anti-semita, os fatos se organizam de forma a mostrar o judeu como vilão da História. Se religiosa, Deus aparece como o elemento articulador e gerador desse fato. Se ideologia sionista, os fatos apontam para a “milenar idéia nacional judaica”. E se o autor nega Sionismo, mas acredita na possibilidade da existência judaica na diáspora, facilmente arruma os fatos de forma a mostrar as possibilidades e as excelências da vida judaica galútica.
         Esse é o primeiro problema com que se defronta Jaime Pinsky no seu livro Origens do Nacionalismo Judaico. Como evitar os falsos e tradicionais problemas da milenar História judaica? (...)
         O principal mérito da obra de Pinsky é o esforço de recuperação da “questão judaica”, é a colocação do problema dentro de uma perspectiva histórica em que o povo judeu existe não apesar da história, mas na própria história.
         A preocupação do autor é fazer uma “Análise ideológica de algumas teorias engendradas no período de transição na Europa Oriental”. (...)
         Assim, Pinsky irá entender que a “especificidade judaica”, a longa permanência dos judeus na história e a “milenar idéia nacional judaica” são muito mais o resultado das diferentes formas da relação que os judeus mantiveram com os meios de produção do que uma “vontade compulsiva de manter-se como grupo”.
         A tese central do livro Origens do Nacionalismo Judaico, é o período de transição do medievo (entendido como pré-capitalismo) para a modernidade (o capitalismo) entre os judeus, que começa na Europa Ocidental e termina na Oriental, que abriga quase 8 milhões de judeus no final do século XIX, 70% da população judaica mundial.
         Dessa forma, o autor começa por mostrar como o judeu, que era possuidor de capital numa economia não monetária, sobrevive como grupo: desde que cumpra um papel determinado, o de comerciante e emprestador de dinheiro. Nessa conjuntura, só uma alternativa de sobrevivência é possível, viver nos “poros da produção”, já que atua como intermediário entre produções que não domina. A especificidade de seu comércio reforça e serve ao senhor feudal, que se utiliza do judeu ao mesmo tempo em que o estigmatiza enquanto tal, mantendo dessa forma um controle ideológico sobre ele.
          A partir do surgimento das concentrações urbanas e de uma nova classe de comerciantes cristãos, o judeu começa a ser desbancado de sua função de intermediário. A distribuição (de produtos) deixa de ser um momento do processo de produção. Lentamente, a usura vai se desligando do comércio e passa a ser a principal atividade dos judeus. No entanto – explica Pinsky – com a ascensão da burguesia o próprio usuário (financiador do consumo) começa a perder sua importância. Resta-lhe apenas financiar as atividades dos camponeses livres, que pagam juros altíssimos pelo dinheiro judeu. Tal situação provoca fortes tensões que estouraram sob forma de ódio antijudaico. O judeu aparece ao camponês como parasita e explorador. Tangidos da Europa Ocidental pelas perseguições e pela perda de sua função de intermediário, numa economia que não necessita mais de seus serviços, os judeus vão dar como os costados na Europa Oriental, radicando-se principalmente na Polônia e depois na Rússia. Não é por acaso, entretanto, que os judeus chegam a essa parte do mundo. Segundo Pinsky, essa será a fase de transição da história judaica, que vai desde a sua fixação em pequenas aldeias, onde sobrevivem como artesões, até sua expulsão para as cidades, onde sofrerão o impacto da nova ordem econômica.
         Pinsky acredita que só pode entender a história judaica deste período se levar em conta o desenvolvimento do capitalismo na região. A destruição da estrutura pré-capitalista em que viviam os judeus ocorreu de forma muito mais acelerada do que sua possibilidade de ajustamento à sociedade capitalista, provocando com isso uma séria instabilidade no interior do grupo. Ao final do século XIX, essa instabilidade terá levado os judeus a uma situação de miséria institucionalizada. É nesse momento que irá nascer a teoria nacional judaica: o Sionismo. (...)
         O surgimento do Sionismo está diretamente ligado às condições materiais dos judeus na Rússia, mas tem em seu instrumento teórico na Europa industrializada. Não é por acaso, portanto, que surgem aí (Europa Ocidental), diferentes ideólogos que procuram veicular a idéia nacional judaica. Tão diferentes quanto a realidade sócio-econômica de seus criadores, as teorias sionistas revelam muito mais que a aspiração milenar de um povo, uma ideologia tipicamente européia (o nacionalismo judaico), que é a contrapartida da problemática social dentro da qual se agitava a massa judaica na Europa Ocidental. 
 
 
Resenha escrita por Orlando Miranda publicada no jornal Movimento em 11 de setembro de 1978.
 
 
Os judeus através da história, não apesar dela
Pinsky, uma lição sobre o ofício do historiador
 
 
         A persistência da identidade judaica e sua afirmação ao longo dos séculos vêm se constituindo, talvez, num dos mais significativos desafios a serem enfrentados por uma metodologia científica da História.
         Na verdade, a historiografia clássica, ao abordar o fenômeno judeu (ou ao considerá-lo tão pouco significativo que pudesse ser ignorado), longe de explicar o judaísmo como evento histórico, no mais das vezes acabou incorrendo na própria negação da história.
         Para comprovar esta afirmação repassamos rapidamente as posturas mais usuais em relação ao problema:
         1 – A história do judeu marca a epopéia de um novo que foi capaz de resistir à dispersão territorial, aos sofrimentos e perseguições; que se manteve contra todas as pressões sociais, políticas, culturais e (por que não?) econômicas. Numa palavra, o judeu sobreviveu apesar da história, sobrepondo-se a ela.
         Como seria isso possível? Numa primeira chave, a mais singela, por se tratar do povo eleito. Claro que tal explicação desaparece na História, substituída por uma concepção metafísica, é possível especular em como os judeus se uniram exatamente pelo sofrimento; a unidade constituindo sua única maneira de sobreviver. Este argumento, porém, por alto, que a existência física do judeu não esteve ameaçada o tempo todo e em todos os lugares, e que, mesmo em épocas de perseguição, a conversão em geral constituía uma solução individual cômoda e, aliás, muito adotada. E omite também o fato de que centenas de outras populações portadoras de identidade grupal, perseguidas, acabaram por desaparecer ou deixaram-se absorver.
         Desprezada a concepção de povo eleito, ainda assim haveria que se procurar, seja entre os indivíduos judeus, seja na cultura judaica, especificidades que permitissem explicar tal sobrevivência. E qualquer que fosse o fator apontado, teríamos a história individualizada, subordinada e um elemento específico. Contudo, como ciência, ela só fará sentido enquanto abrangência. As leis da história terão que ser encontradas nela própria, em todo o conjunto de fatores que a compõem, e jamais em função de uma subordinação a qualquer fator especifico de uma cultura.
         Na mesma linha de visão histórica, mas como uma terceira explicação, pode-se chamar a atenção para a erudição hebraica; para a presença no curso dos séculos daqueles que carregaram consigo a memória do povo, transmitindo-a e mantendo-lhe a vida. Assim, não se trataria de predestinação, nem de uma misteriosa especificidade, mas simplesmente de lideranças conscientes. E aqui teríamos os homens, os líderes, como senhores absolutos da história; a história a ser construída pelos heróis, capazes de recusar as condições que a história lhes propõe e impor-lhes as suas próprias.
         Enfim, nas três concepções que podem emanar dessa linha, encontramos a teologia da história, a anulação da historia, ou, na última versão, a mitificação da história.
         2 – Uma segunda postura analítica contorna toda essa problemática tratando de estudar os judeus dentro da sua especificidade, só tangencialmente referindo-se aos outros povos. Estuda-se a história judaica da mesma maneira que a francesa, polonesa ou tcheca.
         Mas, assim, a história se transforma em ideologia. O conceito de nação deixa de ser histórico, adquire foros de naturalidade. A nação existe porque existe, as leis da história aplicam-se dentro do conceito de nação, mas não se sobrepõem a ele. De conceito histórico, nação transforma-se em categoria, e todos os eventos se explicam ao nível das nações e nacionalismos.
         Ora, para se estudar a nacionalidade, deve-se passar pelas condições históricas que a tornaram possível. Nessa segunda abordagem, porém, assume-se como premissa a perenidade da nação judaica. O judeu resiste à história porque é judeu, porta uma nacionalidade dentro da qual ocorre a história. As nacionalidades aparecem, então, como determinantes históricos. A passagem de um conceito surgido na história (a nação) para a categoria de determinante histórico só pode dar-se, e é o que ocorre no caso, dentro de uma ideologia da história.
         3 – Há também a ótica pela qual o judaísmo inteiro é simplesmente negado e apresentado como uma forma de alienação, uma ideologia mistificadora a desaparecer com o fortalecimento da consciência de classe. É curioso como muitos marxistas (judeus inclusive) lançaram um breve olhar ao judaísmo, classificando-o como falso fenômeno, e dirigiram suas atenções a  assuntos tidos como mais importantes.
         Entretanto, se a postura anterior afirmava o judeu por ser judeu, esta simplesmente nega o judeu por ser judeu. Se as linhas anteriores negam a história ao tentar explicar o judaísmo, esta nega a história por ignorar o judaísmo. Talvez de forma um tanto radical, poderíamos resumi-la no seguinte: se um fenômeno parece resistir às leis da história, então ele não é um fenômeno.
         Jaime Pinsky assume de frente a problemática, tomando como lema um aforismo de Marx – “O judeu se tem conservado não apesar da história, mas através dela”.
         Num primeiro momento, trata de invadir a Idade Média Ocidental para explicar como a cúpula social cristã agiu no sentido de estimular e fortalecer o judaísmo, na medida que necessitava historicamente do judeu (ou melhor, do não cristão) para exercer uma dupla função conservadora da sociedade medieval. Por um lado, ele devia encarregar-se do exercício das atividades comerciais, necessárias, mas com um perigoso potencial econômico e político, a menos que deixada em mãos de uma camada que pudesse, a qualquer momento, ser descartada como marginal. O necessário comércio devia ser maldito (e, portanto, exercido por malditos) para minimizar a ameaça que representava a hegemonia feudal. Por outro lado, o judeu era o álibi que podia sempre ser utilizado para escamotear as reais relações de dominação na Idade Média. Conservá-lo e persegui-lo eram duas faces da mesma moeda, e a construção do judaísmo se fez dentro das contradições medievais, resultou delas, realizou-se dentro da história e não contra ela.
         Tecida a nacionalidade, trata-se não de assumi-la, como unidade inquebrantável, mas de penetrá-la, analisar-lhe a composição e os novos papéis históricos à luz da formação do capitalismo. Estudar camponeses e operários, e seu uso como uma espécie de reserva de segunda linha; observar a camada que se aburguesa; e de como se dão as relações entre esses diferentes segmentos.
         Finalmente, verificar como a identidade nacional e a oposição de classe desembocam num projeto nacional cuja aparência de unidade oculta profundas contradições. E como esse projeto nacional – e aqui posso estar levando longe demais as conclusões do livro – é, na verdade uma recusa da burguesia judaica européia em aceitar a identidade nacional dentro da própria Europa.
         Por tudo isso, a meu ver, Jaime Pinsky nos dá, antes de tudo, uma lição metodológica histórica, modelar e rigorosa. Antes de ser uma lição de história, a obra é uma lição do oficio do historiador.
         Mas, além de historiador, Jaime Pinsky é judeu. E de seu livro, numa linguagem muitas vezes contundente, escorre o desejo de falar ao povo judeu, de polemizar com os doutores do templo. Em seu texto, os judeus não são heróis nem vilões (senão como contingência histórica); são gente, classes, humanidade.
 
 
 
Resenha escrita por Evaldo Amaro Vieira publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de outubro de 1978.
 
 
Uma pesquisa sobre o nacionalismo judaico
 
         O nacionalismo judaico coloca-se hoje como um dos principais participantes do jogo político internacional, além de representar também um tema bastante fértil para os estudos de caráter apologético ou crítico. (...)
         O livro de Jaime Pinsky – Origens do Nacionalismo Judaico – editado há pouco, com um prefácio de Paul Singer, cumpre tal papel, ao examinar algumas questões de referentes às relações entre a existência judaica e as leis históricas. O estudo volta-se para a análise de algumas perguntas gerais. Como os judeus continuaram sendo judeus, durante séculos, sem uma base territorial? Quais são os fundamentos históricos do hassidismo e do messianismo, no período em que os judeus não se integram num mundo feudal nem num mundo capitalista? Qual é a gênese da idéia nacional judaica? (...)
         Para elaborar sua pesquisa, Pinsky utilizou um material bem diversificado, onde estão presentes textos dos ideólogos, noticiário e editoriais de jornais (como o The Jewish Chronicle), dados estatísticos (como os levantamentos da Jewish Colonization Association), panfletos políticos, um almanaque, memórias e obras de ficção (como a de Sholem Aleichem). O exame histórico das chamadas “origens do nacionalismo judaico” principia, segundo Pisnky, ao estabelecer-se a posição dos judeus no sistema de produção feudal. Para eles, os judeus se introduzem nos “poros da produção”, o lugar onde existe o capital quando a economia monetária não é dominante, como ocorre no feudalismo. A partir desta preposição, é apresentada a trajetória do povo judeu desde sua fixação na Polônia até 1795, época em que é integrado no Império Russo devido à eliminação política daquele país. A partir deste quadro histórico inicial, passam-se por exame as manifestações pré-políticas, especialmente representadas pela atuação de Shabetai Tzvi e de Baal Shem (hassidismo).
         Em seguida, retoma-se de novo a exposição histórica, agora procurando mostrar como se vivia na zona residencial judaica da Rússia Branca, desde 1791. Sobressaem-se então a figura do rabino e o sistema educacional judaico, aliás basicamente incorporado ao universo religioso. Mas a passagem da vida em aldeia (shtetl) para a vida em cidade iria criar as condições essenciais ao surgimento do que Pinsky denomina de tórias de transição. Tais teorias consubstanciam-se no espiritualismo de Ahad Haam, o espírito judaico encontra forma de manifestação na cultura da nação judaica, para Simão Dubnow a ênfase está colocada na necessidade de autonomia dos judeus, que reinvidica todas as nações.
         No livro, ganha interesse a análise do partido chamado “União Geral dos Trabalhadores Judeus na Rússia e na Polônia” (“Bund”), criado em outubro de 1897, em Vilna. Esta agremiação teve significativa representação no Partido Social Democrata Russo dos Trabalhadores, fundado em Minsk, no dia 1º de maio de 1898. Mas, conforme demonstra Pinsky ao longo de seu estudo o Bund foi contraditório e oscilante, às vezes se solidarizando com seu compromisso de classe e em outras ocasiões se voltando para seu rótulo de nacionalidade. As ideologias de Haam e de Dubnov, assim como a militância de Bund, apenas significaram os momentos preliminares da afirmação de Estado entre os judeus.
         Tal idéia, de acordo com Pinsky, teve inúmeros defensores, mas ele começa por examinar as propostas de Leão Pinsker, para quem o “problema judeu” se concentrava na rejeição pelo mundo e no anti-semitismo. Procurando sempre articular a configuração da ideologia com a situação real do povo judaico, a pesquisa acaba por demonstrar que Leão Pinsker nega a diáspora através de dois caminhos diferentes: de uma parte, sugerindo a emancipação para os judeus que tinham condição sócio-econômica para obtê-la; de outra, indicando o nacionalismo para aqueles que precisam de emancipação, sem ter meios para efetivá-la. Leão Pinsker, então, aparece como ideólogo da negação da diáspora, enquanto Theodor Herzl, surge como o ideólogo do sionismo consentido.
         Depois de percorrer os eventos mais expressivos da vida de Herzl, inclusive apontando a mitificação de sua figura e sua formação na elite do Império Austro-Húngaro, a obra mostra a conversão de Herzl à causa judaica devido ao caso Dreyfus. Em sua militância merecem destaque a publicação de seu livro O Estado Judeu em 1896 e, no ano seguinte, a organização do Primeiro Congresso Sionista em Basiléia. Através do estudo de textos, o nacionalismo de Herzl desponta como uma decorrência da ideologia burguesa européia (...)
         Pretendendo desvendar o real sentido do sionismo, a investigação promovida per Jaime Pinsky chega a uma conclusão sobre ele: “É um movimento nacional, cunhado na Europa Ocidental por judeus emancipados, para responder a uma problemática da sociedade capitalista explicitada pelos judeus do Império Russo. Tanto quanto a emancipação, o sionismo é negador da diáspora. Tanto quanto o antisemitsmo, elabora o judeu como categoria.” De acordo com tais linhas gerais de análise, esclarecem-se outras questões inicialmente propostas. (...) Fica claro que a existência dos judeus, enquanto judeus, no curso da história não se justifica pela “vontade compulsiva de grupo”. O nacionalismo sionista põe-se como uma resposta à situação social dos judeus da Europa Oriental, resposta que foi elaborada do ponto de vista teórico na Europa Ocidental, bastante industrializada. Desta maneira, nas palavras de Pinsky, o “nacionalismo judaico é, pois resultado dessa articulação (entre judeus da Europa Ocidental e da Oriental): o momento dramático da consciência nacional é a própria consciência do desenvolvimento da modernidade, é o reconhecimento de uma consumação, o fim do medievo”.
 
 
 
Resenha escrita por Mario Bick publicada na Revista Encontros com a Civilização Brasileira (nº 10), abril de 1979
 
         Historiadores e antropólogos concordam em encarar o estudo de outras sociedades e culturas tanto como modo de ampliar nosso conhecimento e compreensão, tanto como forma de esboçar um quadro através da reflexão de nossas próprias realidades históricas. É dentro desta última perspectiva que o livro do Prof. Pinsky tem um significado especial. Seu trabalho é uma exploração complexa e polêmica provocante da problemática do nacionalismo e da etnicidade modernas, vistas a partir do caso especifico do nacionalismo judaico. Como Paul Singer observa em seu Prefácio, “Cabe lembrar enfim que o nacionalismo dos judeus não é só um caso sui generis, mas extremo, sua desmistificação lança luz sobre facetas de qualquer nacionalismo, mormente dos povos da periferia, que compartem com os judeus a sina de serem, o mais das vezes, objetos e não sujeitos da História”.
         Numa linguagem clara e isenta de jargão, o Prof. Pinsky escolheu quatro períodos da história judaica – antiga, medieval, moderna e início do século XX – para desenvolver e ilustrar o processo político, particularmente dentro do mundo judaico da Alemanha e Europa Ocidental, o mundo dos “ashkenazim”.
         Como o livro tem sido amplamente discutido, eu gostaria de, nesta oportunidade, explorar alguns pontos levantados por ele, em vez de me restringir a apresentar um resumo de sues capítulos.
         Como antropólogo, minha exploração é profissional; como judeu, as questões que pretendo levantar podem também ser encaradas como reflexo da minha própria busca de identidade histórica. Dadas as limitações de uma resenha, eu tocarei apenas em alguns pontos, sem a pretensão de esgotá-los.
         Talvez o ponto mais claro e polêmico que o trabalho levanta seja o agora já o antigo e amplo debate sobre a continuidade da identidade judaica. Aqui, a estratégia do livro é muito nítida. A pergunta pode ser formulada da seguinte maneira: Como os judeus mantiveram sua identidade durante os 2 mil anos de diáspora, repressão e constantes migrações? A resposta de Pinsky é clara: eles não mantiveram! Selecionando quatro momentos históricos diferentes o Prof. Pinsky argumenta convincentemente que a continuidade histórica dos judeus é um mito e que, na realidade, a identidade judaica tem sido constantemente reformulada em resposta tanto à especificidade da repressão local, quanto à natureza dos modos de produção dos diferentes momentos da história européia. Assim, a religião do judaísmo antigo, o fenômeno hassídico da Idade Média, a proletarização e aburguesamento da emergente era capitalista industrial, cada um representa novos conceitos de judaísmo e identidade judaica, descontínuos, mas ao mesmo tempo realizados por intelectuais e elites em termos de continuidade histórica. O mistério da história judaica não é sua continuidade, mas a habilidade dos judeus em aceitarem mudanças radicais e ao mesmo tempo criarem a mistificação da continuidade.
         O que é interessante aqui é que o processo tornou-se um ingrediente integral da formação da etnia moderna, isto é, a criação de formações sociais completamente novas, apoiadas em histórias míticas. Os exemplos desse processo são inúmeros; o revivecimento dos celtas na Irlanda, os movimentos negros, hindu e chicano nos Estados Unidos, os emergentes movimentos negro e pan-indígenas no Brasil. Desta perspectiva, o trabalho de Pinsky revela a longa história desse processo e levanta a possibilidade, que o próprio Pinsky pode não aceitar, de que o processo não se restringe a um momento histórico, modo de produção ou formação social.
         Pinsky também desenvolve outro tema, implícito na organização e premissas de seu livro, principalmente nos três últimos capítulos. Aqui nós encontramos uma tentativa de avançar um modelo de desenvolvimento político que pretende traduzir as descontinuidades históricas em continuidade histórica. Convergindo com os escritos de muitos estudiosos como Hosbsbawm, que examinaram os problemas dos movimentos religiosos messiânicos, as “religiões dos oprimidos”, especialmente o trabalho do sociólogo-antropólogo inglês Peter Worsley a respeito das religiões messiânicas da Melanésia, o Prof. Pinsky interpreta o messianismo e o hassidismo dos “ashkenazim” como movimentos pré-políticos que, entretanto, indicam o início da ação e organização políticas apoiadas em termos políticos. A mudança gradual da ação religiosa para dirigir ação política, especialmente através da formação de organizações sindicais, como no caso do Bund e as posteriores transformações da política interna para a de identidades e independência política no movimento sionista equivalem ao processo entre os melanésios, descrito por Worsley. Neste caso, o que é visto freqüentemente como irracionalismo religioso é interpretado corretamente, creio eu, como início de uma luta de um povo sem poder para aparentar uma transformação em seu status através dos limitados recursos intelectuais e tecnológicos ao seu alcance. Na medida em que esses recursos falham, estratégias paulatinamente mais realísticas e revolucionárias são desenvolvidas, mas apenas como resultado das transformações religiosas iniciais que embora prestes a falhar, criam um contexto de ação, organização e testes de realidades políticas.
         Enquanto o Prof. Pinsky revela claramente a mistificação subjacente à crença na identidade judaica, ele parece confundir esse ponto com as origens do nacionalismo judaico. Que tanto a etnicidade quanto a busca de objetivos nacionalistas sejam produtos reflexos da posição histórica dos judeus como oprimidos, marginalizados em todos os países da Europa, Oriente Médio e Norte da África é, creio eu, absolutamente correto. No entanto, isto me deixa insatisfeito em sua falta de especificidade histórica. Se a continuidade e sobrevivência judaicas é amplamente um produto de repressão, ainda fica em aberto a questão da natureza contínua dessa repressão em tantos países e em tantas épocas. Ainda continuamos com a pergunta: Por que os judeus? Confrontamo-nos com o fenômeno, por exemplo, da reconversão dos cristãos novos, a conversão ao judaísmo dos negros dos EUA e grupos de camponeses mexicanos e italianos. Ao mesmo tempo, confrontamo-nos com outro fenômeno: a emergência da identidade étnica na Europa e nas Américas que procura melhoria de condições internas e não independência. (...)
         O trabalho do Prof. Pinsky enriquece e amplia nosso conhecimento dos judeus e do processo do nacionalismo, mas o problema da singularidade da história e experiências judaicas permanece desafiador, para intrigar e levantar questões de grande importância para nossa própria realidade histórica e nossas esperanças de justiça social.