Quando o Congresso erra
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Democrata radical, sou de opinião de que qualquer legislativo é melhor do que nenhum legislativo. E mais, que na política, ao contrário da física, as convergências surgem das divergências. De resto, em países como o Brasil, é sempre bom limitar os poderes do executivo.
Há, contudo, questões que são tratadas de forma equivocada no Congresso, como a das bebidas alcoólicas e a da licença para gestantes.
Por falta de informação - já que não posso crer que congressistas sejam manipulados por empresas de bebidas - deputados e senadores acabam se equivocando e prejudicando toda a população.
As empresas de bebidas, particularmente as de cerveja, gostam de passar a idéia de que existe uma forma de beber “com responsabilidade” e dirigir. Pesquisas independentes, produzidas pelas melhores universidades brasileiras, mostram que isso não existe , que há uma incompatibilidade entre o álcool e o ato de dirigir. Dados do Ministério da Justiça dão conta de que em mais de 60% dos acidentes violentos ocorridos em estradas federais um dos motoristas estava alcoolizado! Portanto, tomar álcool e dirigir é uma prática que não afeta apenas os outros, os supostos bêbados irresponsáveis. Ele tem a ver também com aquele nosso amigo que “não foi além de alguns chopinhos”, o primo que “só ingeriu uma caipirinha”, o pai que “apenas tomou duas taças de vinho”. Ao criarmos a categoria de “bêbados irresponsáveis” parece que estamos criando uma outra, a de bêbados responsáveis e, principalmente uma terceira, a dos alcoólicos sociais e respeitáveis, na qual nos incluímos, por certo, juntamente com todos os de nosso círculo social. O triste fato é que não são apenas “alguns irresponsáveis” que dirigem bêbados, mas que essa é uma prática social que precisa ser modificada.
Ora, nada contra o álcool, como elemento de confraternização, destinado a celebrar, a quebrar o gelo, a estabelecer uma fronteira entre o trabalho e o lazer. A questão é que beber e dirigir é extremamente perigoso e diminuir a oferta do álcool para motoristas tem sido uma boa forma de limitar seus riscos. Não adianta simplesmente aumentar a pena, embora isso seja bom também. Nossa fiscalização continua pífia. Só nos últimos feriados 552 pessoas morreram, apenas nas rodovias federais! E durante os dias do Carnaval foram detidas, dirigindo embriagadas, 200 pessoas, número pífio. O mais espantoso foi o argumento de um congressista dizendo que impedir a venda de bebidas ao longo das rodovias impediria passageiros de ônibus a tomar o seu vinhozinho em visitas a vinícolas no Rio Grande do Sul. Ora, não é mais fácil criar uma lei geral contra a venda de bebida alcoólica e, eventualmente, abrir uma exceção para estradinhas secundárias na região de Bento Gonçalves? O mais assustador foi o argumento de que não se podia punir e “quebrar” comerciantes, e sim os consumidores! O fato de o comerciante falir por ser impedido de vender álcool à beira da estrada é tão assustador que nem merece comentários.
Outro tema mal trabalhado no Congresso é da extensão da licença maternidade de quatro para no mínimo seis meses. Aparentemente é uma coisa boa, um benefício para as mães. Mas não é. Se o Estado brasileiro pretende ter um projeto natalista (o que em si mereceria uma discussão mais profunda), melhor seria tomar duas providências: a primeira, criar creches ou outros locais para que as mães pudessem deixar os filhos com segurança sob os cuidados de profissionais qualificados, e não fossem obrigadas a deixá-los com pessoas sem formação adequada, e ainda pagar por isso a vizinhas ou conhecidas. A segunda, seria melhorar tanto o pré-natal como a atenção às mães e recém-nascidos com um serviço de saúde de nível melhor do que o que é fornecido hoje. E isso é papel do Estado.
Claro, é mais fácil jogar o ônus às empresas, acenando com alguma compensação. Sabemos bem o que vai acontecer nesse enfrentamento entre o mundo corporativo e a burocracia estatal: as prejudicadas serão as mulheres. Elas passarão a ser mais discriminadas nas contratações, nos salários e nas promoções. Mesmo as que não querem ser mães terão mais dificuldade ainda para se empregar e manter suas posições. Seria interessante que, antes de votar leis bem-intencionadas, mas mal pensadas, os parlamentares perguntassem às mulheres se é isso que elas querem. Ou se preferem que o Estado cumpra o seu papel e permita que elas possam decidir o que preferem para si mesmas. Estado responsável não é a mesma coisa do que Estado paternalista.