As origens da cidadania
Jornal do Brasil


JB Online – 21/06/2003
JB Online – 23/06/2003
Vinte e quatro autores explicam as lutas por inclusão social, política e econômica ao longo da história.
Carolina Matos
 
(...) As constantes transformações sociais provocadas pela globalização - que vão desde o surgimento de novos grupos da sociedade civil ao aumento do desemprego e declínio do Estado de bem-estar social - põem, novamente a questão de como exercer uma cidadania plena na pauta mundial.
Mas o que é exatamente ser um cidadão? Como surgiu a cidadania da forma como a compreendermos hoje, ou seja, uma luta pela inclusão total em todos os níveis da sociedade? O mergulho em algumas das raízes destas questões pode ser feito com a leitura atenta e prazerosa de História da cidadania, recém-lançada obra que reúne textos de 24 autores sobre o tema.
A intenção de debater as origens da noção de cidadania através do destaque dado às lutas pela inclusão social ao longo da historia mundial e do Brasil é justamente a proposta do livro. (...)
Um grupo de historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos, geógrafos, um advogado e um escritor deixaram de lado o tom mais acadêmico para oferecer uma clara e concisa explicação sobre as ligações da cidadania com o surgimento do capitalismo e como esta foi posteriormente incluída na pauta política mundial por intermédio das revoluções Inglesa, Americana, Francesa e Industrial. Apesar de suas 592 paginas, o livro não é uma obra que se restringe ao leitor especializado, podendo ser facilmente lida pelo leitor através da seleção de temas específicos de seu interesse.
Na introdução, Jaime Pinsky assinala como o conceito e a prática da cidadania vêm se transformando nos últimos 300 anos em decorrência das lutas sociais travadas pelos mais variados grupos em toda a parte do mundo, com suas exigências de maior participação na política e de ampliação de direitos. Pinsky aponta como a questão da ampliação da cidadania na história mundial sempre esteve muito relacionada à superação de preconceitos e de hábitos tradicionais de pensamento por parte de grupos de decisão das sociedades, pois aquilo que um dia era visto como ''subversivo'' num dado momento passou a ser ''corriqueiro'' ou ''natural''.
De fato, o texto de Eduardo Hoornaert, ''As comunidades cristas dos primeiros séculos'', revela como o cidadão romano considerava a escravidão natural, fato não contestado até pelos filósofos mais lúcidos. As resistências de muitas sociedades de estender o voto às mulheres, direito conquistado apenas no século 20, e de permitir a sua maior participação na vida pública são também importantes marcos na história da luta de feministas pela ampliação da cidadania. Este tema é trabalhado nos textos de Carla Bassanezi Pinsky e Joana Maria Pedro, ''Mulheres: igualdade e especificidade'', e no de Maria Lygia Quartim de Moraes, ''Brasileiras: cidadania no feminino''.
É difícil dizer quais capítulos ou textos merecem mais destaque ou atenção do leitor. Os ''Alicerces da cidadania'' são essenciais para se compreender as origens da noção de cidadania nas análises que são feitas das revoluções Inglesa, Americana, Francesa e Industrial. O enfoque engloba desde os avanços realizados pelas revoluções ao caráter excludente da emergente cidadania liberal nestes países. A lenta e árdua batalha que certos grupos tiveram de enfrentar depois para estender os recém-conquistados direitos civis para incluir os políticos e sociais já era sentida nestas revoluções. Sem falar que aqueles que não possuíam terras eram proibidos de ter representação política na Inglaterra, direito também negado aos índios e negros nos EUA e às mulheres em todos os países.
Já a Revolução Industrial não só incluiu o operariado na história mundial como marcou o início das lutas de classes entre trabalhadores e patrões na Europa, culminando entre outros na posterior formação de sindicatos, no lançamento do Manifesto Comunista de Karl Marx, na batalha pela formação do Estado de bem-estar social e na difusão das idéias socialistas pelo mundo afora. As contribuições que o socialismo deu para a cidadania são temas também de outros textos obrigatórios do livro: ''Socialismo: idéias que romperam fronteiras'', de Leandro Konder, e ''Direitos sociais: a cidadania para todos'', de Paul Singer, que constam do capítulo sobre o desenvolvimento da cidadania. Estes trabalhos retratam as principais transformações e os conflitos experimentados no seio dos grupos socialistas europeus do século 19, como as conhecidas disputas entre anarquistas e socialistas em torno das formas de participação do Estado na luta de classes. (...)
“Cidadania no Brasil” ganha na qualidade dos temas selecionados como a luta dos índios pelos seus direitos e dos trabalhadores brasileiros por suas conquistas na Era Vargas (...) o livro deixa o leitor com um conto de Moacyr Scliar. Mais um estímulo para pensar a exclusão social no país.